quinta-feira, 19 de agosto de 2010

NAQUELE DIA DEZOITO

“Em cada amor se nasce e se morre. Por isso é que, para haver a vida, há de haver a morte. Uma morte tênue que pulsa sempre onde nasce o amor.”


No dia em que completariam dez anos e dois meses de namoro, ela finalmente se deu conta de que tudo tinha acabado.

- Estou curada – pensou.
(nunca tinha pensado nesse ponto de vista).

Notou que ele, já havia ido embora, desde o sétimo aniversário e nem tinha dado conta que comemorara sozinha os três últimos anos quando, atônita, tomava seu primeiro banho de mulher solteira.

Mirou-se no espelho como a muito não fazia.
Sentia um amor próprio, quase narcisista e, admirava com palidez suas rugas e seus cabelos brancos.

A beleza do tempo, naquele dia dezoito.

Amou dezoito mil vezes,
durante cento e vinte e dois meses,
três mil setecentos e onze dias,
dez horas e,
trinta minutos.

Sentiu frio.
A frieza do tempo naquele dia dezoito.

No fundo da pupila refletida, um esboço de amor transformado.
Sorriu, sem a graça da paixão, mas com o brilho de um amor infindo!
Um amor passado e só agora, realmente eternizado no se viveu.

Tateou os azulejos do banheiro até o espelho. Tocou seu próprio rosto. Observou-se só: seu tato, suas mãos, sua escova de dentes. Seu mundo a sua volta crescia, revelando-lhe seu quarto, sua casa, sua vida.

Deitou-se, respirando seu cheiro, da cama à sua própria pele.
Reconhecera-se.

Reencontrou a si e sentiu o sono esquecido antes dos remédios para dormir.
E lembrou-se de como era bom dormir devagar, sem sentir que o sono vem abraçando mansinho... Como o sonhar-longo depois de ler um livro com os olhos secos e o coração em paz.

Podia ter certeza de que, sorrira, de vez em quando, durante o sono, feito um recém-nascido “sonhando com os anjos”.

Acordara sem lhe cair uma lágrima dos olhos, ao contrário, as cintilantes pupilas dilatavam-se as novas cores trazidas por sua primeira manhã!

Renascida, tomava seu café, como se houvera sempre sido metade.
E entendendo-se parte amputada, fortalecia-se de sua completa capacidade para tudo.
Sentiu-se inteira enxergando o motivo, intuindo o sentido de permanecer vi-va, naquele dia dezoito.

Mas, dia dezoito já não era,
Nem ela aquela que houvera
Quando provava a espera
De antigos dias dezoito.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

QUANDO TUDO ACABAR

Quando tudo acabar,
o que nos restará?

Um amor, uma flor,
uma saudade?

Quando tudo acabar, de verdade,
o quê, em nós, fará sentido?

O gemido, a comida, a palavra não-dita?

Quando tudo acabar sei que morro.
E procuro saída para renascer.

Quando tudo acabar, sem o chão da terra,
assim hei de viver, sem você...

...
...
...

Quando é mesmo que tudo acabará?

O PAI IMORTAL DE TUDO

Nunca entendi a afirmação de que,
TUDO acaba.

Como se, o amor, fizesse parte de TUDO.

O amor não acaba, nem faz parte de tudo.
Cabe a ele, uma parte, maior.

Mas, em todo tudo há amor.
Daí a confusão.

Porque TUDO é mortal.
(semi-deus com ponto fraco)

E, só onde tudo acaba,
ainda resta o amor.

ELE é o Pai imortal de TUDO.

PROMESSA

Se eu topar encontrar-te,
promete que,
não me esquecerá
nesse mesmo lugar,
quando tudo acabar?

VISITA (ine-ESPERADA)

ESTA NOITE, O AMOR VEM JANTAR COMIGO.

ELE ME TRARÁ O PRATO QUE, ELE MESMO FEZ, DURANTE O DIA.
EU, LHE OFEREÇO O QUE VENHO PREPARANDO, COM CUIDADO.

AMBOS, PRATOS DE PALAVRAS TELEPÁTICAS E QUE NUNCA,
NUNCA SACIAM...

AS INTERROGAÇÕES, ME TRAVAM A GARGANTA.
E, AS CERTEZAS, ME EMBRULHAM O ESTÔMAGO
DE NOVAS DÚVIDAS E, SILÊNCIOS...

MAS, AINDA TENHO A ESPERANÇA DE DORMIR SATISFEITA,
E, POR ISSO, MARCAMOS SEMPRE UM PRÓXIMO ENCONTRO...

E, SE...

E se...
não passar esse soluço?

Se o alvoroço colorido da paixão
tiver decidido que, meus olhos,
cegos de amor, não mais a enxergarão?

E se, um dia, for sempre contínuo,
e não passar sem que eu ria de tudo isso?

Se a falta deste amor doce,
me converter em estátua de sal?

E, se esse dilúvio de lágrimas nunca secar?

...

Mas, se ele seca e eu me espalho toda sal, sobre a terra,
correndo sempre o mesmo risco náufrago de diluirme salgada...???

Como serão meus lábios sem a doce saliva humana...?

E, quantos milênios ganharei para que, me cresçam,
patas adaptadas ao gelo e a neve, de um mundo sem amor?


...

E se eu, acreditar na solidão?

SUA FALTA

Devo matar
o que em mim espera

Ou
esperar
eternamente
aquilo que me mata:

sua falta.

VIAJOU

Viajou.

Sem perceber que, o amor, havia arrumado as malas e, partido,
antes dela.

LONGITUDE

"Estou tão longe e,
como posso estar viva se,
o meu coração ficou em ti?"
"Não tenho dono,
não sou escravo,
um pouco teu -
de todo mundo"

terça-feira, 3 de agosto de 2010

COTIDIANOU-SE

Ela acreditava no amor eterno.

Desses que se compartilham anos,
Por onde se sustenta a vida,
Quando um se faz comida e, para o outro,
alimenta a alma.

Ela acreditava no seu amor.

O mesmo que lhe mostrou a inusitada beleza do co-ti-di-a-no.
Logo ela que, fugia de monótonos "dia-a-dia", descobriu que a mo-no-to-ni-a, nada tinha que haver ao cotidiano que a consumia.


Cotidianou-se

em suaves dias de chuva
em olhares que despertam e adormecem juntos
em sorrisos e palavras
em silêncios e pausas

"Como o cotidiano é infinitamente surpreendente" - pensou.

Cotidianou-se

em saudade de meia hora
em saborosos pratos diários e repetitivos, porém nunca iguais
em um sono tranquilo e protetor



Cotidianou-se no amor.



Agora, sonha ser real seu sono.
Sonâmbula nas lembranças de um amor cotidiano, eterno e inesistente.